



1.
Língua Portuguesa - Um Oceano de Culturas
O Instituto Camões, como promotor do diálogo intercultural, concebeu este projecto como uma amostra de culturas que se cruzam no território da Língua Portuguesa.
É uma viagem pelo mar que aqui se propõe, tal como o sentem os autores africanos, brasileiros, portugueses e do sudeste asiático representados nesta exposição.
O Instituto Camões pretende, desta forma, prestar homenagem a todos os autores que, em Português, contribuem com a sua obra para ampliar o nosso olhar comum no projecto da interculturalidade lusófona.
2. Alda do Espírito Santo (São Tomé e Príncipe)
1926-2010
Nasceu em S. Tomé. Estudou em Portugal. Professora. Foi Ministra da Informação e Cultura e Ministra da Educação e Cultura de S. Tomé e Príncipe. Colaborou em diversas publicações literárias. Poeta.
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
3. António Baticã Ferreira (Guiné-Bissau)
1939
Nasceu em Canchungo (Guiné-Bissau). Licenciado em Medicina pela Universidade de
Lausana. Colaborou em diversas publicações. Poeta.
O Mar, esse mundo que os homens não habitam,
É imenso, tão belo e tão perfeito!
O Mar tem influência singular
Sobre mim. Eu bem queria ir ver as ondas:
Valia a pena olhá-las a correr
Loucamente; valia a pena
Ver qual delas primeiro entrava na baía.
4. David Mourão-Ferreira (Portugal)
1927-1996
Nasceu em Lisboa. Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi professor. Dirigiu a revista Colóquio-Letras. Tradutor, critico literário, ensaísta, ficcionista e poeta. Foi uma presença marcante do mundo literário da sua época.
Corpo meu que no Mar de repente retomas
ao rebentar da onda a posição do feto
Surpreende a matriz de onde partem as ordens
Mas não perguntes mais Porque tudo é incerto
5. Eugénio de Andrade (Portugal)
1923-2005
Nasceu em Póvoa da Atalaia (Fundão). Funcionário público. No Porto existe uma Fundação com o seu nome. Tradutor, organizador de antologias, ficcionista e poeta. Nada melhor que as suas palavras para definir a sua obra: "(...) desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água... aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a água, a luz e o vento (...)".
era o sopro distante das manhãs sobre o mar
e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do
coração
é o silêncio é por fim o silêncio
vai desabar
6. Eugénio Tavares (Cabo Verde)
1861-1930
Nasceu na Brava (Cabo Verde). Autodidacta, funcionário público, jornalista e polemista. Dramaturgo, ficcionista e poeta. Paradigma da crioulidade, autor de inúmeras mornas.
Oh mar eterno sem fundo
Sem fim
Oh mar de túrbidas vagas
Oh mar!
De ti e das bocas do mundo
a mim
Só me vem dores e pragas
Oh mar!
Que mal te fiz oh mar, oh mar
Que ao ver-me pões-te a arfar, a arfar
Quebrando as ondas tuas
De encontro às rochas nuas
7. Fernando Pessoa (Portugal)
1888-1935
Nasceu em Lisboa. Entre 1895 e 1905, viveu na África do Sul. Escreveu quer sob os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, quer sob o semi-heterónimo Bernardo Soares e Pessoa ortónimo. É considerado um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos. Poeta e prosador. Apesar de muito conhecido, Pessoa continua ainda por conhecer. É, decerto, o mais complexo e diversificado dos escritores portugueses..
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
8. Fernando Sylvan (Timor-Leste)
1917-1993
Nasceu em Díli (Timor- Leste). Pseudónimo de Abílio Leopoldo Motta-Ferreira. Foi presidente da Sociedade de Língua Portuguesa. Participante activo da Resistência Maubere. Poeta, prosador, dramaturgo e ensaísta.
as crianças brincam no praia dos seus pensamentos
e banham-se no mar dos seus longos sonhos
a praia e o mar das crianças não têm fronteiras
e por isso todas as praias são iluminadas
e todos os mares têm manchas verdes
9. Herberto Helder (Portugal)
1930-2015
Nasceu no Funchal (Madeira). Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa. Colaborou em diversas revistas de poesia. Tradutor, poeta e ficcionista. Indiscutivelmente, um dos grandes poetas portugueses, com um exímio domínio da linguagem.
As barcas gritam sobre as águas.
Eu respiro nas quilhas.
Atravesso o amor, respirando.
Como se o pensamento se rompesse com as estrelas
brutas. Encosto a cara às barcas doces.
10. João Cabral de Melo Neto (Brasil)
1920-1999
Nasceu no Recife (Brasil). Ingressou na carreira diplomática, tendo estado colocado em Barcelona, Londres, Sevilha, Dacar e Porto. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1968. Poeta. Prémio Camões. Incontestavelmente, uma das maiores figuras da produção literária brasileira.
O mar soprava sinos,
Os sinos secavam as flores,
As flores eram cabeças de santos.
Minha memória cheia de palavras,
Meus pensamentos procurando fantasmas
Meus pesadelos atrasados de muitas noites.
De madrugada, meus pensamentos puros
Voavam como telegramas;
E nas janelas acesas toda a noite
O retrato da morta
Fez esforços desesperados para fugir.
11. José Craveirinha (Moçambique)
1922-2003
Nasceu em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique. Funcionário público, atleta, cronista desportivo, jornalista. Primeiro Presidente da Associação de Escritores Moçambicanos. Poeta e contista. Prémio Camões. Ele é hoje uma figura incontornável e de referência da escrita em língua portuguesa.
Amamo-nos hoje numa praia das Honduras
estamos amanhã sob o céu azul da Birmânia
e na madrugada do dia dos teus anos
despertamos nos braços um do outro
baloiçando na rede da nossa casa na Nicarágua.
12. Luís de Camões (Portugal)
1524-1580
Pouco se sabe sobre a sua vida agitada. Considerado o maior vulto das letras portuguesas.
Autor da epopeia Os Lusiadas. Poeta e dramaturgo. A influência da sua obra foi
marcante na produção literária portuguesa. "Camões assumiu e meditou a experiência
de toda uma civilização cujas contradições viveu na sua carne e procurou superar
pela criação artística".
«Já a vista, pouco e pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam;
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E, já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.
«Assi fomos abrindo aqueles mares,
Que geração algua não abriu, As novas Ilhas vendo e os novos ares
Que o generoso Henrique descobriu;
De Mauritânia os montes e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu,
Deixando à mão esquerda, que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita.
13. Manuel Alegre (Portugal)
1936
Nasceu em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde esteve ligado aos grupos de teatro CITAC e TEUC. Poeta e ficcionista. A sua poesia está eivada de uma grande musicalidade e por ela perpassa a sua atitude socialmente interventiva.
Há um eu errante e mareante
não mais que um signo
um batimento
um coração polar
algo que tem a cor do gelo e do antárctico
e sabe a sul a medo a tentação
uma irremediável navegação interior
um navio fantasma amor fantástico.
14. Manuel Rui (Angola)
1941
Nasceu em Nova Lisboa (Angola). Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Desempenhou diversos cargos oficiais. Colaborou em publicações várias. Poeta, ficcionista e ensaísta. Figura de relevo nacional e internacional.
Amar-te é esta distância
e junto ao mar
senti-lo viajado
azul e com estrondo
Amar-te é uma fogueira
sobre a onda
sítio de uma lavra
de milho ou mandioca
na areia que me foge
sob a espuma
15. Miguel Torga (Portugal)
1907-1995
Nasceu em São Martinho de Anta (Vila Real). Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha. Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1937. Poeta, romancista, novelista, dramaturgo, memorialista e ensaísta. Prémio Camões. Ele é a "reencarnação de um poeta mítico por excelência - daqueles que vive na intimidade das forças elementares (a terra, o sol, o vento, a água) para celebrá- las com o seu canto" (David Mourão-Ferreira).
Mar!
E é um aberto poema que ressoa
No búzio do areal...
Ah, quem pudesse ouvi-lo sem mais versos!
Assim puro,
Assim azul,
Assim salgado...
Milagre horizontal
Universal,
Numa palavra só realizado.
16. Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)
1919-2004
Nasceu no Porto. Cursou Clássicas na Universidade de Lisboa. Colaborou em diversas
revistas de poesia. Autora de obras de literatura infantil. Poeta, contista e
ensaísta. Na limpidez e sensibilidade fina da sua poesia, o mar é presença assídua.
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
17. Vergilio Ferreira (Portugal)
1916-1996
Nasceu em Melo (Gouveia). Licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1940. Professor de liceu. Romancista e ensaísta. Prémio Camões. É um dos mais significativos ficcionistas portugueses contemporâneos.
Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.
18. Vitorino Nemésio (Portugal)
1901-1978
Nasceu na Praia da Vitória, ilha Terceira (Açores). Professor da Faculdade de Letras de Lisboa. Revelou dotes de grande comunicador na rádio, na televisão e como professor. Poeta, romancista e ensaísta. A sua obra reflecte a temática da insularidade, estando a realidade açoriana nela patente.
Esta saudade é uma maré que eu sou;
Esta tristeza é já meu mar rolando,
Meu vento levantando-se na voz,
Minha contiguidade separando
Seus bocados inermes e sem área,
Seu percorrido igual em todos os navios,
Seu movente e parado eirado frio
Que se aquece nos reinos de coral
E quer quebrar-se em praias mas que é delas,
Se não são minhas secas desistências
No inútil desenho de alguns passos?
De onde em onde uma luz mas nem parece,
De apagada e perdida nos socorros,
De intermitente ao vento que já sou...